sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Vô voador (Segunda parte)

À medida que rezava, enfiava a agulha no pedaço de pano como se, com aquele gesto, estivesse costurando o músculo distendido, conhecido como “carne trilhada”. Jogadores de futebol, crianças traquinas, enfim, quem sofria qualquer espécie de luxação, encontrava a cura com a vó Ana.
Com um pé de vassourinha na mão e o mesmo gesto na hora da reza, sempre próximo da porta ou da janela, curava quebranto, espinhela caída, vômitos, diarréias... Não havia um neto que não quisesse estar com a vó Ana. Era a vó mais querida da família. Vô João Joaquim, sempre na balsa, no dominó ou com as mulheres. Hoje, com mais de 80 anos, viúvo, se queixa de que não nega fogo. Só gosta de estar cercado de meninas bonitas, enquanto joga sua sinuca. Nunca senta em uma mesa de dominó com os filhos ou com os netos, mas dá seus palpites:
- Vvvaaaaiiiiiii jjjooogggaaarrr eeerrraaadddooo aaasssiiimmm...
- Vô João, o sinhô nem vem jogar porque do jeito que fala arrastado, joga a primeira pedra agora e a outra só nove horas da noite - brinca o Fidelis, filho do tio Vieirinha, outro que mantém o hábito do pai: não joga quando os filhos estão jogando.
Vieirinha e vô João são muito parecidos, até no jeitão arrastado de falar. Se vô João não fosse cearense, diria que ele era baiano, e o baiano com a fala mais arrastada que já vi. O Fidelis não perde uma chance de tirar sarro da cara do pai e do avô.

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