Tempestade de ideias

Lia Ernst Hans Gombrich. Encantado com Leonardo da Vinci, ao anoitecer de uma tarde amazônica. Absorto. Os olhos em “Estudos anatômicos”, laringe e perna, de 1510. Quanta perfeição! Pura arte e anatomia nunca vistas. A última ceia. Mona Lisa. Os olhos deslizam das páginas. À esquerda. Clarões, nuvens, luzes. Sinalizadores do pássaro de aço que da Vinci idealizara. Os olhos voltam-se para as páginas. Mona Lisa. Uma força me impele a erguer os olhos. Duas mãos estendidas por sobre a poltrona 10A chegam a me assustar. O sinal da presença humana tirou-me dos momentos de transe total nos quais vivia cada detalhe de Gombrich sobre da Vinci. A respiração oscilou o ritmo. Um rosto de menina surge entre aquelas mãos, na altura dos cotovelos, lança-me um sorriso terno, infantil e diz; “Tio, porque o senhor deixa aquilo aberto?” e dirige o braço direito para a janela da poltrona 11A na qual eu estava sentado. “É para olhar a nuvens e curtir essa sensação de liberdade”. Sorri. Ela sorriu. “Tomei um susto com as suas mãos”. Ela abriu ainda mais o sorriso. CONTINUA!

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Parição


Poemas existem para serem vividos
Amados, gestados, paridos.
Servem para expressar amores não vividos
Sonhos não realizados: acima de tudo, sonhados.
São como as dores terríveis do parto
Tanto do ir embora, quando do nascer
Da saída de um filho que brota pra vida
De dentro de ti e chora, grita, urra.
Às vezes é preciso um bisturi
Para circunscrever a dor da saudade
E arrancar cruelmente o fruto desse amor
A fim de que ele cresça só
Apenas monitorado, enamorado, encantado.
A testar os limites da nossa capacidade
De suportar a saudade, a ausência
O vazio que esse filho deixa no útero
No peito, na alma.
A conviver com essa angústia
Essa falta de calma
Esse desejo enlouquecedor de ter ao lado.
Cada poema parido é fruto dolorido
Que consome, corrói, machuca, devora
E apavora!
Por limitar até a nossa capacidade de entender a própria vida.
Deixar de entender
Que amor e dor coabitam o mesmo espaço
São nós de um mesmo laço
Forças que nos fazem parir, juntos,
Novos sentidos quando tudo o que existia
Era a mais profunda sensação de calmaria.
Aí vem o amor, surge, do nada
Deixa-te arrebatada
Manda um aviso: é preciso paixão
Dor e amor na mesma medida:
Pois é isso que nos devolve o sentido da vida.

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