Tempestade de ideias

Lia Ernst Hans Gombrich. Encantado com Leonardo da Vinci, ao anoitecer de uma tarde amazônica. Absorto. Os olhos em “Estudos anatômicos”, laringe e perna, de 1510. Quanta perfeição! Pura arte e anatomia nunca vistas. A última ceia. Mona Lisa. Os olhos deslizam das páginas. À esquerda. Clarões, nuvens, luzes. Sinalizadores do pássaro de aço que da Vinci idealizara. Os olhos voltam-se para as páginas. Mona Lisa. Uma força me impele a erguer os olhos. Duas mãos estendidas por sobre a poltrona 10A chegam a me assustar. O sinal da presença humana tirou-me dos momentos de transe total nos quais vivia cada detalhe de Gombrich sobre da Vinci. A respiração oscilou o ritmo. Um rosto de menina surge entre aquelas mãos, na altura dos cotovelos, lança-me um sorriso terno, infantil e diz; “Tio, porque o senhor deixa aquilo aberto?” e dirige o braço direito para a janela da poltrona 11A na qual eu estava sentado. “É para olhar a nuvens e curtir essa sensação de liberdade”. Sorri. Ela sorriu. “Tomei um susto com as suas mãos”. Ela abriu ainda mais o sorriso. CONTINUA!

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Preço

Tombo.



Joelhos ralados.


Braço também.


Sangue.


Felicidade.


Liberdade.


De sair.


De bicicleta.


De cair.


Levanto.


Vou em frente.


Feliz.


Livre.


Barro.


Asfalto.


Corro.


Mais.


Uma pedra.


Caio de novo.


Levanto.


Esanguentado.


Desanimado.


Eu


A bicicleta.


Quebrados.


Ego.


Satisfeito.

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domingo, 29 de agosto de 2010

Reflexão

- Extra, extra...

Inconfundível.

É o jornaleiro.

Toda a manhã.

Nas esquinas.

Nas bancas.

Nas casas.

- Jornal, jornal...

É madrugada.

Ele não dorme.

Traz notícias.

Leva o dinheiro.

É o jornaleiro.

Sinal fechado.

Três avançam.

- Compra de mim?

- Não, leva o meu.

- Sêo menino, o meu é melhor.

Todos com o mesmo jornal.

Dúvidas.

Quem precisa mais?

- Compra de mim?

Repete um baixinho.

Sujo.

Olhos arregalados.

Pequeno.

Roupas rasgadas.

Pés no chão.

Recebe o dinheiro.

Saltitando.

Numa perna só.

Assobia.

Abre o sinal.

Sinceridade

- Não posso.



- Por quê?


- Só beijo a mulher que amo.


- Deixa de besteira...


- Não é besteira.


- Ora não.


- Sou sincero.


Os dois discutem.


A moça.


Janaína.


O moço.


Ricardo.


Apaixonado pela namorada.


Janaína.


Apaixonada por Ricardo.


- Eu te amo, Ricardo.


- Mas não posso.


- A Carla te ama como eu?


- Não sei, mas a amo.


- Como podes ser tão sincero?


- Sou assim. Não posso mudar.


- Eu te amo tanto. Só uma noite. Vamos?


- Não insista Janaína.


Nuca mais Ricardo.


_ Adeus.


- Para sempre?


- Sim.


Ricardo sem paz.


Carla amada.


Caso de amor.


Desfeito.

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sábado, 28 de agosto de 2010

Pavor

- Posso pegar uma manga?



- Sai pra lá, moleque, no meu quintal ninguém entra.


- Só uma manga.


- Se te pego aqui dentro dou-te um tiro.


***


Outro dia.


João volta.


Olha firme.


Manga madura.


Na boca,


Saliva.


No peito,


Medo do tiro prometido.


Pula a cerca.


Olha em volta.


Ninguém.


Aproxima-se da mangueira.


Sobe.


Manga na mão.


Lembra-se:


“Se te pego aqui dentro dou-te um tiro”.


Apavora-se. Desce rápido.


Desespera-se.


Grita:


- Nãããooo...


Enrosca-se no arame da cerca.


Fere o corpo.


Desvencilha-se.


Aterrorizado.


Corre sem olhar para trás.

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sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Assalto

Escuro.



Olhos semicerrados.


Tento decifrar algo.


Ouço uma respiração ofegante.


Há alguém emcasa.


Preparo-me.


Arma na mão.


Medo.


Pavor.


Serei capaz?


Trevas.


Frio na barriga.


Aproximo-me do interruptor.


Luz acesa.


Mascarado em minha frente.


Pega meu pulso.


Dobra.


Força.


Sinto.


Frio punhal.


Sangue escoa.


Peito aberto.


Olhos esbugalhados.


Não enxergo nada.


Curvo-me.


Para trás.


Para a frente.


Não sei mais.

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quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Impotência

Explosão.



Ardência.


Labaredas sobem.


Marlene sai correndo da casa.


Tocha humana.


Grita:


- Socorro, socorro, apaguem esse fogo.


Não há água.


Não há ninguém por perto.


Impotente.


Observo.


Fraco.


Trapo.


O fogo consome Marlene.


Mais um grito.


- Não quero morrer queimada.


Olhos arregalados.


Grito forte.


Um tombo.


Fedor de carne queimada.


Lágrimas em meus olhos.

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terça-feira, 24 de agosto de 2010

Ossos do ofício

Andar faceiro.



Reboliço.


Coxas roliças.


Sensuais.


Movimento gostoso.


Passo a passo.


É o andar de Vera.


Fera.


Sorriso matreiro.


Quer dinheiro.


É Vera.


Aceito o convite.


Caí na rede.


Mais um peixe.


É o ofício.


É Vera.


Aos solavancos.


Rolo na cama.


Vera.


Acompanha-me.


Geme.


Grita.


Chora.


Revira os olhos.


Gozo.


Enganado.


Vera.


Com o dia ganho.

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Tensão

- Paga dez.



- Não tenho pra jogar.


- Ora, não tem pra jogar, paga vinte.


- Cinquenta; mais cinqüenta, Dominó de vinte.


- Porra, parceiro, como é que me deste um passe daí?


- Não dei passe porra nenhuma; fiz meu jogo.


- Fizeste teu jogo e levamos dois galos.


- Vocês ainda estão discutindo?


- Vão discutir lá fora.


- Rapaz, é esse meu parceiro, que pra burro que pra burro só falta as asas.


- Burro não tem asas.


- Pois é. Então não falta mais nada. És burro mesmo.


- Burro é você.


- É você.


- Você.


- Você.


- Você.


- Na mesa nova partida.


- Nháu. Cocorocó.


- Mais vinte.


- Porra, como é que jogaste assim?


- Os caras deram um galo.


- Por tua culpa, que manda jogares mal?


- Desconfio que a tua massa encefálica é marrom.


- Bem! Vamos parar com o jogo, a coisa está muito pesada.


- Não, mais uma.


- É melhor parar.


- Tá bom, vamos tomar um chope juntos?


- Vamos.


Resposta em uníssono.

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segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Amnésia

Ando?



Paro?


Falo?


Não sei.


Olho.


Belas casas.


Onde estou?


Novo mundo.


Nova vida.


Vida?


Melhor é viver.


Sigo em frente.


Passos largos.


Procuro.


Não me acho.


A família.


Os filhos.


A mulher.


Eu.


Esqueci.


Sigo.


Vazio.


Opaco.


Fraco.


Esquecido.

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domingo, 22 de agosto de 2010

Metamorfose

- Apague o cigarro. Não agüento mais!



- Quando casei contigo, já fumava.


- E daí? Agora não quero que fumes.


- Está bem.


***


- Pôxa, estás bebendo de novo?


- Quando me conheceste eu já tomava cerveja.


- Só admitia porque ainda namorávamos. Agora é diferente.


- Que diferença faz?


- Muita. Não quero mais e pronto!


- Está bem.


***


Para onde vais?


- Jogar com os amigos.


- Negativo. Ir jogar com os amigos e me deixar sozinha? Nunca.


- Mas minha filha....


- Já sei, antes eu deixava. Agora não quero mais.


- Tudo bem, vou ficar em casa.


***


- Querida, vem logo, há horas te espero na cama.


- Ir para a cama contigo? Eu não.


- Mas...


- Mas coisa nenhuma. Só era bom antes.

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sábado, 21 de agosto de 2010

Acontece

Tóc. Tóc.



- Entre.


- Bom dia!


- Quem é você?


- Sandra.


- Não a conheço.


- Que importa? Quero você.


- Não entendi?


- Pô cara. Quero ir para a cama com você.


- Assim? Sem mais nem menos?


- O importante é o prazer.


- Meu pai me disse que o cego tem de desconfiar de toda esmola grande.


- Isso não tem nada que ver. Passei pela tua casa, deu vontade, entrei.


- Não sou homem vulgar.


- Nem eu.


- Empatamos. Pode ir embora.


- Pô, cara. Vamos pra cama.


- Não sou cara, sou coroa.


- Melhor ainda. Experiente.


- Vá embora. Não cairei em tentação.


- É bicha?


- Não. Só faço o que quero.


- Sandra aproxima-se.


Carlos esquiva-se.


Briga de gato e rato.


Sandra sem roupa.


Carlos também.


A carne é fraca.

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sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Decisão

Respiração incontrolável.

Nervoso.

É dia de azar.

- Não.

Decisão.

Dor de barriga.

Bexiga cheia.

TV ligado.

Tensão.

Oito minutos.

Bebeto não erra.

É mesmo dia de azar.

Mudo.

Cresço.

Confio.

É decisão.

Recomeço.

Nova dor de barriga.

Banheiro cheio.

Barriga seca.

Gol.

Romário?

- Não, Bismarck.

Geovani, Leandro.

Falha.

Romário... Pega, porra!

Soco no ar.

En-fim.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Amargor

Ônibus.

Ajuricaba/Franceses.

Quase lotado.

Rapaz de cor parda.

Calça marrom.

Bolso à tira-colo.

Bolsa também.

No copo, refrigerante.

Na mão, o copo.

No rosto, o desejo incontido de sorver o líquido.

Passa pela borboleta.

Paga.

Esbarrão.

Copo no chão.

Calça salpicada.

Nos braços, nas mãos, por entre os dedos, escorre a Fanta.

Em pingos.

Um olhar.

Para os pingos.

Para o refrigerante no chão do ônibus.

Para quem esbarrou n’ele.

Salivação.

Sede.

Gosto.

No rosto.

Amargura.

Essas crianças!

- Me encanta com um canto,

Que eu lhe conto um conto.

- Só canto meu conto,

Se você contar.

- Sem ouvi-la cantar;

Não conto meu conto.

- AH! É assim? Também não vou cantar.

- Canta.

- Não canto.

- Conta.

- Não conto.

- Canta.

- Não canto.

- Conta.

- Não conto.

- O verso que faço é prosa ou poesia?

- Cale-se menino,

Não diga heresia.

Em ca(o)ntos

O livro EM CA(O)NTOS foi lançado em 1994 como parte das comemorações dos 20 anos de carreira literária do autor. O Blog Em Toques começa por ele a registrar a produção literária do professor Gilson Monteiro. A cada dia um dos roteiros que compõem o livro serão postados no Blog. Eis o texto de apresentação do livro:
“EM CA(O)NTOS traz textos inéditos do [Gilson Monteiro] que já conhecemos: mordaz, lírico e ousado. As situações retratadas neste livro oscilam entre o conto e a crônica, sem,entretanto, amarrarem-se em nenhuma destas formas. Ora são uma, ora são outra, podendo em qualquer dos casos ser ambas. Pois é exatamente dessa dualidade formal deliberada que reside a ousadia do autor: no enxugar do texto, na adoção de uma linguagem cinematográfica, extremamente concisa, na qual uma palavra pode substituir toda uma sequencia, mantendo sempre o equilíbrio entre o lírico e o cruel cotidiano. Desta forma, EM CA(O)NTOS pode ser lido também como uma coletânea de roteiros de curtas-metragens, na melhor tradição que consagrou o mais importante contista brasileiro contemporâneo, o “vampiro” Dalton Travisan.”

"Zemaria Pinto, professor de Literatura e Poeta, na orelha, como apresentação do livro EM CA(O)NTOS, de Gilson Monteiro, lançado em 1994, em edição do próprio autor."

Tempestade de ideias

Carolina, minha filha, me veio à cabeça. Felipe, meu filho, Yanka, Roger, as crianças da minha família, as crianças do meu estado, da minha cidade, do meu Brasil, do mundo. Imagens, passagens, o filme da minha vida, em 3D, passava na velocidade da aeronave, tendo o céu como tela. Raios, luzes da cidade. “Senhores passageiros, com a sua licença, dentro de instantes pousaremos no Aeroporto Internacional Jorge Teixeira de Oliveira ....”. “Tio, vou ficar em Porto Velho. O senhor vai para onde?”. Novo sorriso. “Vou para Manaus”. Outra voz surge: “Minha filha, você já arranjou alguém para conversar?”, disse a avó dela, que completou: ”É minha neta. Crio desde os 5 dias”. Que alívio! Um turbilhão de ideias passara pela minha cabeça. Além do susto que realmente tomei, talvez por sair do transe com o movimento daqueles bracinhos, fiquei com receio de falar com aquela menina doce e meiga que a mim se dirigia por ser um estranho: nunca se sabe como as pessoas reagem aos estranhos. Simpática, talvez por eu também ser do Acre, a senhora sorriu, contou um pouco sobre Bruna Grazielle, a Grazi, “não é a Massafera”, completou a Tia da criança. Grazi sorriu de novo e, pelo lado do banco, da poltrona 10A, estendeu a mão e apertou a minha: “Tio, já vou”. Apertava a minha mão com tanta ternura que eu sentia o desespero da Carolina (minha filha) com a minha ausência. Estava quase chegando em Manaus. Será que aquilo tudo era um tipo de aviso, de premonição? Algum sinal, alguma força atmosférica? “Grazi, a gente nunca mais vai se encontrar, nunca mais vai se vê”, murmurei. Ela não largava a minha mão, sempre pressionada e só sorria, cada vez mais largamente. “Queria escrever algo sobre isso tudo”, finalizei. Sua avó me passou o e-mail dela (avó) e fiquei a vagar na viagem das minhas ideias. Todas as firmeza e segurança a respeito do ato de voar esvaíram-se. O sorriso de Grazi amalgamava-se com o sorriso da Carolina. Seria aquilo tudo um sinal? Será que este avião não chega em Manaus? Gelei! Há muito não sentia medo. Decolagem. Tudo normal. Nuvens. Raios. Luzes. Os olhos voltam-se para o livro. Para a janela. Carolina me espera em Manaus. Grazielle, talvez, nunca mais surgirá na minha frente. “Quero escreve algo sobre isso”, pensei. O que fazer? Os dois sorrisos de menina se misturavam. Meu livro de moda, meus projetos. Tudo o que já produzi! Eureka! “Em ca(o)ntos” foi um livro de contos que escrevi em 1994. Seus 1.000 exemplares esgotaram-se rapidamente. Isso mesmo, ao chegar em Manaus, faria um Blog exclusivo para exercitar a minha ARTE, a única forma de exercer a plena liberdade de sorver os sabores e os saberes do universo. A sabedoria oriental nos ensina que há duas realidades: a física e a virtual. É na segunda que se insere a alma, a essência do ser humano. Ela é onipresente, onisciente e onipotente. É nessa realidade que se encontram o campo das potencialidades, das possibilidades. É aqui que todo o ser humano explode em produtividade, criatividade e inteligência. O ciberespaço, portanto, é o infinito campo da mente no qual se pode exercitar a saúde perfeita e o amor incondicional. O encontro com Grazielle foi um dos gestos de amor mais puros que a vida podia me proporcionar. Só comparável ao amor que dedico à Carolina e ao Felipe. Minha gravidez intelectual seria coroada com a criação do Blog Em Ca(o)ntos. Há pouco, descobri que o Blogger não aceita os caracteres “(“, “)”, o que desvirtuaria o nome inicialmente pensado. Pesquisei “Em Cantos’. Já em uso. Uma luz: ora, se não “Em Ca(o)ntos, por que não “Em Toques”, uma vez que tudo será no Ciberspaço? Assim surgiu nosso Blog! Boa leitura!