Tempestade de ideias

Lia Ernst Hans Gombrich. Encantado com Leonardo da Vinci, ao anoitecer de uma tarde amazônica. Absorto. Os olhos em “Estudos anatômicos”, laringe e perna, de 1510. Quanta perfeição! Pura arte e anatomia nunca vistas. A última ceia. Mona Lisa. Os olhos deslizam das páginas. À esquerda. Clarões, nuvens, luzes. Sinalizadores do pássaro de aço que da Vinci idealizara. Os olhos voltam-se para as páginas. Mona Lisa. Uma força me impele a erguer os olhos. Duas mãos estendidas por sobre a poltrona 10A chegam a me assustar. O sinal da presença humana tirou-me dos momentos de transe total nos quais vivia cada detalhe de Gombrich sobre da Vinci. A respiração oscilou o ritmo. Um rosto de menina surge entre aquelas mãos, na altura dos cotovelos, lança-me um sorriso terno, infantil e diz; “Tio, porque o senhor deixa aquilo aberto?” e dirige o braço direito para a janela da poltrona 11A na qual eu estava sentado. “É para olhar a nuvens e curtir essa sensação de liberdade”. Sorri. Ela sorriu. “Tomei um susto com as suas mãos”. Ela abriu ainda mais o sorriso. CONTINUA!

segunda-feira, 31 de março de 2025

Ébano

Aquele olhar de ébano

Dominou meu cérebro

Provoca-me ilusão

Tua imagem de perfeição.

E não me sai da memória

Entrei na tua história?

Oh dúvida cruel:

Saudade com gosto de fel.

A negra, negritude, fascina

Nada tem de menina

Muito menos de senhora

É isso que me apavora:

Você ter surgido “do nada”

Atravessado a minha estrada

Teu gosto de ébano é salivação

Na mente e no coração.





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domingo, 30 de março de 2025

Toc, toc, toc

Dizem que tenho toc

Também dizem que sou top

Porem sou daqueles

Que nem usa Tim Tok.

Das rede ditas sociais

Arrisco-me no Facebook

Algumas pinceladas a mais

No Instagram tenho look.

Difícil manter o equilíbrio

Nesta profusão de redes

Sofro de abstinência:

Nada mata a minha sede.


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Rebelião das borboletas

No asfalto rachado,  

Uma flor nasce no concreto.  

Dois desconhecidos param;

para fotografa o espectro. 

Sem combinar,  

regam a planta com água 

De suas garrafas de corrida

O vento traz um verso

não escrito, nem vivido.

Ouço o sibilar de asas

Beija-flores e borboletas

Voam para salvar o planeta.


Poema do dia 29 de março de 2025


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Modo avião

Deletei tua mensagem,  

Mas meu dedo ainda traça

O rastro do teu nome na névoa.  

No museu, apagam a placa.

"Escravidão" vira "herança cultural".  

Na rua, um velho amnésico

Abraça pensando que sou sua neta

Ligo-me no modo avião

Sou um arquivo morto.


Poema do dia 28 de março de 2025


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Revisto

Meu visto foi negado

No "país do futuro.”

Terá realmente futuro,

Um país que só pensa em muros?

Fosse eu um saco

De sementes estéreis

Passarei sem barreiras,

Pelas tuas fronteiras.


Poema do dia 27 de março de 2025


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Catástrofe

A guerra viraliza

Em stories sem filtro

Aviões cortam os ares

Como em um videogame.

Gameficaram a guerra

O pai enterra o filho

Sem direito à hasta.


Poema do dia 26 de março de 2025


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Wi-fi

Telas mortas

Fraturas expostas

E eu a procurar rede

Como se tivesse sede.

Wi-fi meu deserto,

Passos cambaleantes em 5G,

Emoji triste em carne viva.  

Rostos se misturam com a opacidade

De uma cidade que vive em rede.


Poema do dia 25 de março de 2025


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Uberização do útero

Entreguei meu filho em nove meses  

e uma corrida de 12 minutos.  

Enquanto amamento, respondo e-mails,

Nem me lembro de doa-lo o seio.  

A entregadora de comida me olha com inveja:  

Ela deixou o bebê no berço de motoboy.  

Quantas horas extras tem um parto,

Neste mundo de entregas e lastros?  


Poema do dia 24 de março de 2025


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Gosto de ferro

O headset promete

um paraíso sem fome.  

Mas aqui, na fila do osso,  

O homem ao meu lado 

Mastiga silêncio.  

Nossos cotovelos se esbarram:  

ele, real demais; eu, virtual de menos.

Esamos na (nova) era

Do upload da utopia! 


Poema do dia 23 de março de 2025


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Choro

Vendem o rio em copos descartáveis.  

Na favela, uma criança bebe chuva ácida.  

No condomínio de luxo, o síndrome posta:  

“Salvem-se quem puder".  

Nossos dedos se encontram

Na prateleira do último galão. 

Chora a água e nós bebemos

O choro da devassidão.


Poema do dia 22 de março de 2025


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Segregação digital

O reconhecimento facial

Não detecta meu coração

Muito menos a dor interna

Que transborda no tremor das pernas. 

Na loja de departamentos,

O segurança me segue: 

A influencer branca filma

Uma arara de roupas roubadas.  

No ônibus, uma mulher negra

segura minha bolsa sem querer:  

"Desculpe", dizemos ao mesmo tempo,  

Numa sintonia que a câmera não registra:

Segregação digital

Contra a qual precisamos lutar.


Poema do dia 21 de março de 2025


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Enganos

Posto foto sépia

De uma infância que não tive.  

Na praça, o Arlindo roca,

Violão com mãos trêmulas 

E canta sobre amores

Nunca vividos em Sena.

Uma jovem passa correndo,

So vejo fones nos ouvidos,

Não escuta a canção do Arlindo

Perde a chance de conhecer o lindo.


Poema do dia 20 de março de 2025


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Ansiolítico

Tomo palavras feito comprimidos.  

Há versos nada entendidos

Bolei um boneco contra o pânico

Para enxotar o espanto.

A psicóloga pergunta:

Quando chorou sem motivo

Receitei-me meus versos

Caí em prantos sentido.

Vozes se espalhavam

A espalhar poemas lindos

Taquicardia literária

Que me cura os sentidos.


Poema do dia 19 de março de 2025


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Afetos de vidro

Chegaram os cafés artesanais

Com cervejas do mesmo naipe

E os apartamentos de vidro

Que parecem sem sentido. 

Aquele casal de idosos

Que vendia pamonha na esquina  

Foi substituído por um mural 

De "mais amor, menos ódio".  

No beco, dois adolescentes

Beijam-se entre tijolos
O segurança grita tão alto:

"aqui não é lugar pra isso."  

Que o beijo perde o sabor

Não sai sequer um suspiro!  


Poema do dia 18 de março de 2025


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DNA de App

Somos 98% almas gêmeas

É o que diz o app

De que adianta a compatibilidade

Se me deixas na saudade!! 

O AppMas não calculou  

O cheiro da tua nuca

Nem o que a me voz te provoca

Todas as vezes que a escuta.

Nem é capaz de entender

O modo como riscas “talvez"

No caderno de receitas.

Deve ser DNA de App

O que nos une desde aquele dia

Que eu te olhava e nem sabia

O que fazer da vida.


Poema do dia 17 de março de 2025


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Queda de braço

O muro tem 10 metros

O coração de arame farpado.  

Do lado de cá, um soldado ajusta o fuzil.  

Do lado de lá, uma criança desenha o mar

 Com giz de lousa e sangue. 

No vento, um lenço vermelho 

— talvez dela, talvez minha —  

Balança como bandeira de um país que não existe.  

Quantas pátrias soterradas

Na desventura desta jornada.

Cujos braços não caem

Porque quedar não se admite

Forças que se esvaem,

Paz (buscada) que não existe.


Poema do dia 16 de março de 2025


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