Tempestade de ideias

Lia Ernst Hans Gombrich. Encantado com Leonardo da Vinci, ao anoitecer de uma tarde amazônica. Absorto. Os olhos em “Estudos anatômicos”, laringe e perna, de 1510. Quanta perfeição! Pura arte e anatomia nunca vistas. A última ceia. Mona Lisa. Os olhos deslizam das páginas. À esquerda. Clarões, nuvens, luzes. Sinalizadores do pássaro de aço que da Vinci idealizara. Os olhos voltam-se para as páginas. Mona Lisa. Uma força me impele a erguer os olhos. Duas mãos estendidas por sobre a poltrona 10A chegam a me assustar. O sinal da presença humana tirou-me dos momentos de transe total nos quais vivia cada detalhe de Gombrich sobre da Vinci. A respiração oscilou o ritmo. Um rosto de menina surge entre aquelas mãos, na altura dos cotovelos, lança-me um sorriso terno, infantil e diz; “Tio, porque o senhor deixa aquilo aberto?” e dirige o braço direito para a janela da poltrona 11A na qual eu estava sentado. “É para olhar a nuvens e curtir essa sensação de liberdade”. Sorri. Ela sorriu. “Tomei um susto com as suas mãos”. Ela abriu ainda mais o sorriso. CONTINUA!

sábado, 31 de março de 2012

Submissão


Esse teu jeito de se entregar inteira
Como se não tivesse nem eira, nem beira
Não me seduz, ao contrário, me afasta.
Qualquer dependência ou submissão
Ainda que em ritual ou oração
A mim me parece nefasta.
Portanto afasta de ti
Esse jeito de se entregar a mim
Como se eu fosse teu dono ou senhor.
Ser livre é estar preso a um projeto
Não passa por ser objeto
De consentida opressão.

sexta-feira, 30 de março de 2012

Monopólio


Quero monopolizar o teus gestos
Tirar teus olhos de outra direção.
Centrá-los em me ver, em oração
Para usar atos concretos
Fazer de mim teu universo
E me entregar em tuas mãos.
Deixar de ser só teu brinquedo
Ter tudo como um segredo
Que encobre nosso tesão.
Tomo conta da fantasia
Realizo noite e dia
Quando não consigo com jeito
Tomo posse no teu peito
Torno-me lembrança doentia.

quinta-feira, 29 de março de 2012

Em


Em cantos, deságua meu pranto
Em coros, meu choro desola
Em toques, meu cheiro de fala
Degusto tua boca que cala.
Embaixo, caminho ao teu lado
Desvios levam ao ponto
Em que ubo e desço escadas
Em ti, sem ti, não sou nada.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Animais


Ainda sinto um suave gosto na boca
Dos beijos ardentes que nem chegamos a trocar
Das minhas carícias que te deixaram louca
Do teu jeito intenso de se entregar.
Não vejo a hora de essas lembranças
Quase irreais de um sonho impossível
Deixarem de ser uma herança
Ou um pesadelo terrível
E se transformarem em atos reais
Para gozarmos cada sabor
Milímetro a milímetro irreais
E quando abrirmos os olhos sermos confundidos
Com os mais ferozes animais.

terça-feira, 27 de março de 2012

Dias nublados


Sem ti meus dias são encobertos
Por nuvens escuras de ilusão
Tua falta abre um enorme vazio
Deixa um amargo gosto de solidão.
Horas tilintam e o relógio não anda
Ainda que seja em números digitais
É como se você tivesse ido embora
E não voltasse nunca mais.
Trovoadas não desabam
O céu começa a ficar azul
O arco-íris brilha no horizonte
Você me aparece ao longe
Encoberta pelos montes
Sopra um vento descomunal
Árvores caem, folhas sobem
Num tremendo temporal.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Coragem



Falta força para não sair ferido
Nem ferir ninguém quando o que decido
Faz fendas, furos, força um futuro
Que nem sempre é o que foi combinado.
Sofro mas não quero que sofras
Se estiver junto a mim
Ou longe, no passado.
Corto a viseira desse sentimento
Parto pros teu braços num cavalo alado.
Nessa pradaria jogo rosas ao vento
Desço do meu potro desequilibrado
Sinto nos teus olhos tristeza e dor
De um sonho de amor esfacelado
Pela covardia de querer de longe
Mas nunca largar tudo e ficar ao meu lado.

domingo, 25 de março de 2012

Sangue de deusa



Seus olhos são uma janela dos deuses
para que o mundo se reflita neles.
Tua boca é uma fonte de néctar
É nela que o meu eu-zangão
Penetra e sorve o teu mel.
Passeio por tua colmeia
Deslizo meu ferrão em cada um dos favos
Sou teu Zeus, oh abelha-rainha
E qual das deusas será a minha?
Ainda que sejas humana
Tua tez de deusa a mim não engana
Reflete o Olimpo em cada tom de pele
Se não és deusa, duvido que não corra
Nessas veias morenas, sangue de acreana.



sábado, 24 de março de 2012

Existência

Tem gente que só por existir
Transforma tua vida, teus dias
Basta abrir o sorriso
E te apresenta o que é a alegria.
Um arco-íris escorre pelo rosto
Preenche de cores cada pontinho branco
Das nuvens que correm livres no céu
Faz da magia um doce encanto
Como se só existisse o sabor do mel.
Adoro a visita diária do teu sorriso
Nos momentos mais inesperados
Sonho, então, que podemos ser felizes
Acordar e dormir sempre lado a lado.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Inveja



Odeio essa tua alegria insana
Esse teu jeito de encarar a vida
Em cada fato um sorriso explode
Como se não houvesse despedida.
Detesto quem não sente dores
Como se viver fosse só alegria
Uma primavera de cheiros e flores
Ou um outono de graça e magia.
Cruzo os dedos, dobro os joelhos
Em orações, fujo dessa quizila
Fecho o corpo, bato na madeira
Tira esse olho: minha vida brilha.

quinta-feira, 22 de março de 2012

Fusão

Você já deu em minha vida
Morreu em meus sonhos
Fundiu-se com a dor.
Deixou de ser importante
Fulgás ponto no horizonte
Mistura de ódio e amor.
Estrela de brilho intenso
Hoje não passas de massa imberbe
Recheada de bolor.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Criação



Criar um poema todo dia
Não é ato de homilia
Tem de ser por opção
Criador e criação.
Porque a ação de criar
Algo novo que se renova
A cada nova inspiração
Caso vire rotina
Passa a ser padrão.
Escrevo pelo prazer de criar
Em verso ou prosa uma rima
Meu canto pode a ti não agradar
Mas aumenta minha auto-estima.
Data marcada para a ida sem volta
É pouco provável que exista
O que fica em forma de verso ou poema
Pode ser que ainda resista.
No ciclo da vida, porém
Quando um vai o outro fica
Haverá sempre alguém
A criar rima pobre ou rica.

terça-feira, 20 de março de 2012

Nosso bem-querer

Nosso sentimento ultrapassa as fronteiras da razão
É um bem-querer feito de pura emoção
Que se derrama em sorrisos, afetos e entregas.
Pouco importam os padrões e regras
Nosso amor é feito de riscos e incertezas
E é nessa mistura do inesperado com o sagrado
Que construo sonhos de ficar ao teu lado
Sem se preocupar com o passar da idade.
Contigo o amor parece não ter prazo de validade
Chego a sonhar que o limite é a eternidade
Quando a cada dia subimos novo degrau.
Acima das nuvens vou a cada encontro
Descubro em ti a sensação de paz
Fica um vazio imenso quando me despeço
Exulto de alegria toda vez que volto
E sinto o teu pulsar em cada novo abraço.
Quisera não deixar-te nem mesmo um segundo
Cuidar desse querer pra que seja infinito
Vibrar todos os dias com o teu sorriso
A cada manhã recomeçar do ontem
Para que a cada dia eu te tenha sempre.


segunda-feira, 19 de março de 2012

Desvios

Desejo vê-la em caminhos
Atalhos ou eventos fora de rota
A mim quase nada importa
Quando saio pra te encontrar.
Obscenas cenas de beijos trocados
E abraços de fazer as veias ferverem
É o que permitimos aos outros verem
Ao everedarmos por caminhos não-traçados.
Nosso tempo de entrega se aloga ao máximo
Naquele cantinho de árvore frondosa
Engulo teu cheiro, tua pele sedosa
Ao encostar minha língua em tua rosa.

domingo, 18 de março de 2012

Acidentes


Há vezes na vida
Que desatentos estamos
Nessas horas o acaso
Nos causa terríveis danos.
Somos obra desse instante
De intensa desatenção
Joias soturnas, anéis de brilhante
Escapam em átimos dos dedos da mão.
Vida acidente supremo
Do universo mistério extremo
Fachos de luz em jatos de cores
Espelhos das nossas ilusões e amores.


sábado, 17 de março de 2012

Estupidez

Velas em chamas, fagulhas, mistério
Em frente ao Cruzeiro, no Cemitério
No frio da pedra não sito o calor
Desse fogo que o povo manda com ardor.
Carnes congeladas, sem brilho na tez
Um branco-amarelo toma o meu corpo
Não vejo as faces da estupidez
Pois centelha não tenho: estou morto.
Perdi o gosto de gozar a vida
Quando fiquei só, jogado na pedra
Meu rosto espelha a atroz rigidez
De quem se curva em deprimente queda
Para não voltar mais nenhuma vez.


sexta-feira, 16 de março de 2012

Compartilhados


Sonhos compartilhados
Tornam-se realizáveis
Porque os individuais
São apenas dos miseráveis.
Fecham-se em seus mundinhos
Com desejos miudinhos
Não dividem nada
Seres ignóbeis, de fachada
Habitantes das cavernas
Fora do casulo morrem
Enterram suas frustrações internas.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Pieguice



Nós pouco nos encontramos
Quase não nos tocamos
Somos poço de meiguice
Para muitos, pieguice.
Nosso amor cresce no peito
Encrava-se de tudo que é jeito
Como raiz a fincar-se inteira
Completa na algibeira.
Digo que te amo mil vezes
Em oração te adoro
Dia e noite te devoro
Piegas ou não, esse amor
É fértil cheiro de flor.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Meio termo


Gosto do amor e do ódio
Como parte da mesma moeda
Incomoda-me o meio termo
Não ser vermelho nem azul.
Quero enfrentar a vida
Sem agradar a todos
Como é amor ou ódio
Aliás, ódio e amor integrais
Melhor provar amor e fel
Do que fazer da existência
Um ato de excrescência
Quando tudo parece mel.

terça-feira, 13 de março de 2012

Circulações

Espelhos ampliam objetos
Abjetas figuras na multidão
Os vermes espalham-se no concreto
Feito amebas em auto-organização.
Deslocam-se por sobre a lâmina
Só aparecem no microscópio
Minúsculas figuras sem anima
Despejam no sangue seu ópio.
Embevecem, corrompem com o cheiro
Estúpidos seres que se movem
De mão em mão não se envolvem
Circulam como se fossem dinheiro.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Tempero


Passo limão
Misturo sal
Cebola e alho
Pimenta e azeite
Salivação
Puro deleite.
Teu cheiro forte
Invade as narinas
Tempera os lábios
Molha a língua.
Devoro com os olhos
Chupo com os dedos
Com a boca engulo
Gotas de veneno
Do teu orgulho.

Investimentos


O que ao outro você entregar
Volta hoje ou quando der.
Não há garantia porém
Que recebas sentimento
Porque amor não é relação de troca
Como se fosse investimento.
Não é um tipo de aplicação
Com retorno garantido
Talvez, no máximo, um empréstimo
Feito a fundo perdido
E se essa for a operação
Talvez nunca volte mais
Nem por isso deixe de amar
Não diga nunca, jamais.
Porque amor é entrega sem medo
Transparente, sem segredo
É diária devoção
Entrega total do coração.


OBS: Post do dia 11/03/2012

Gestos


Pouco valem os sorrisos
Se não seguidos de abraços
Para estreitar os laços
Entre os que praticam o gesto.
Um aperto de mão, um aceno
O ar feliz ou sereno
Um polegar para o alto
Os quatro dedos em aperto
Tudo legal, tudo certo.
Basta, porém, girar a mão
E muda o significado
O que era legal vira mal
Nessa linguagem gestual.
Só não vale ignorar
Quem estiver contigo
Até quem está longe merece
Um gesto irmão e amigo


OBS: Post do dia 10/03/2012

sexta-feira, 9 de março de 2012

Complexidade


Tento não ser só coração
E deixar que apenas a razão fale
Como, porém, ser de gelo;
Ser sol sem derretê-lo?
A pedra transparente e brilhante
Dura como se de mármore fosse
Desfaz-se em um instante
Ocupa espaço agridoce
Onde antes era diamante.
Esfria e queima ao mesmo tempo
Pouco resiste ao calor
O gelo da pedra, a pedra de gelo
É uma metáfora do amor
Que queima ao mesmo tempo por querer
Ou por chamas intensas de dor.
Ser amor e ódio sem limites
Calor e frio sem medidas
É o que nos transformar em seres
Vivos e mortos em seguida
Vermes, amebas, condatos
Partes de uma ou várias colônias:
Eis o mistério da vida.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Personalidades


Elas não freqüentam colunas sociais
Nem figuram nas capas de jornais
Empenham-se na defesa dos filhos
Arrancam os espartilhos
A empreender mundo afora.
Deixaram de ser aquelas senhoras
Que viviam pra servir os maridos
E tinham de abrir os vestidos
Na hora que eles quisessem.
Eram puros objetos
De sexo e fantasias
Violentadas se um não diziam
Donas-de-casas a eles serviam
Até a hora da morte.
Lutar por independência
Era sinal de demência
Mulher só era respeitada
Se fosse subjugada.
O tempo passa, elas também
Viraram empreendedoras
Deixaram de lado o avental
E o cabo das vassouras.
Ganharam o mundo e o mercado
Hoje são capas de revistas
Por tudo o que conquistaram
Transformaram-se em notícias.
Mãe, mulher, guerreira e filha
Venceram adversidades
Mas ainda são discriminadas
Na luta pela igualdade.
Que vençam a guerra diária
Pelo respeito e a liberdade
E que demarquem para sempre
O direito à dignidade.

Visite também o Blog de Educação do professor Gilson Monteiro e o Blog do Gilson Monteiro. Ou encontre-me no www.linkedin.com e no www.facebook.com/GilsonMonteiro.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Re Seios


Meu medo é perder tudo
E deixar de ser teu todo.
Não poder tocar mais teu corpo
Estar em teu peito, morto.
Re vejo tuas fotos
Re corto teus contornos
Re bato meus desejos
Re busco os teus beijos.
Se não te tenho nos braços
Re faço os meus sonhos
Re tiro teus suspiros
Re seio não tê-la
Por recear perdê-la.

terça-feira, 6 de março de 2012

Chiados


Ouço um barulho constante
Como se uma cachoeira
Jorrasse água constante
Não é chuveiro ligado
Nem água corrente encanada
É cena constante ali
Como aqui e acolá
Gota, trovão e relâmpagos
Que chegam a assustar.
É como se o telhado
Ganhasse asas, a voar
E de chiado em chiado
Gotas comecem a bailar
Num trançado traçado
Você se deita ao meu lado
Começamos a sonhar.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Pluralidades


Temos pluralidades
Que nos tornam singulares.
Por isso somos plurais
E plural é nossa relação
Tem terceira e quarta pessoa
Num lance de pura emoção.
Sabemos que amor e sexo
São pares desordenados,
Desconexos
O que nos torna plural
É encara tudo isso
Como fato natural.