Tempestade de ideias

Lia Ernst Hans Gombrich. Encantado com Leonardo da Vinci, ao anoitecer de uma tarde amazônica. Absorto. Os olhos em “Estudos anatômicos”, laringe e perna, de 1510. Quanta perfeição! Pura arte e anatomia nunca vistas. A última ceia. Mona Lisa. Os olhos deslizam das páginas. À esquerda. Clarões, nuvens, luzes. Sinalizadores do pássaro de aço que da Vinci idealizara. Os olhos voltam-se para as páginas. Mona Lisa. Uma força me impele a erguer os olhos. Duas mãos estendidas por sobre a poltrona 10A chegam a me assustar. O sinal da presença humana tirou-me dos momentos de transe total nos quais vivia cada detalhe de Gombrich sobre da Vinci. A respiração oscilou o ritmo. Um rosto de menina surge entre aquelas mãos, na altura dos cotovelos, lança-me um sorriso terno, infantil e diz; “Tio, porque o senhor deixa aquilo aberto?” e dirige o braço direito para a janela da poltrona 11A na qual eu estava sentado. “É para olhar a nuvens e curtir essa sensação de liberdade”. Sorri. Ela sorriu. “Tomei um susto com as suas mãos”. Ela abriu ainda mais o sorriso. CONTINUA!

domingo, 30 de junho de 2024

Destemido

Aguerrido
Destemido
Passos firmes:
Dirijo-me a ti!
Trêmulas lembranças 
Éramos crianças
O medo do não
Não era opção.
Agora o sim
Traz você a mim
Frio, choro de medo
Mantido em segredo.

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sábado, 29 de junho de 2024

Natureza morta

Verga a castanheira
Não sobra nem Ingá
Era árvore, está sem eira
Nem encontro mais jucá.
O ser que se diz humano
Trocou a enxada pelo arado
O facão hoje é profano
E o trator está interligado.
A internet incentiva o ócio
Equipa o pasto do agronegócio
Pintura que ninguém esboça:
Natureza morta!

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sexta-feira, 28 de junho de 2024

Serenidade

A tranquila idade 
De quem tem
A serena idade
De paz transmitir.
Ao sorrir 
Ao falar
Ao deixar o mundo cair
E, ainda assim, não se abalar.
Ou fingir que não se abala
Quando a dor dói fundo 
E ainda a marca!

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quinta-feira, 27 de junho de 2024

Irreal

Procuro modelos
Neste espelho
Irreal
Da Inteligência Artificial.
Para ser competitivo 
Tenho de ser disruptivo
Corrida impulsionada
No Universo acadêmico 
Onde tudo vira nada.

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quarta-feira, 26 de junho de 2024

Culpa

Sentir a dor
Da vergonha
Que se causa aos outros:
Culpa
De quem não se culpa
Vergonha;
De quem não sente vergonha 
Sem se arrepender.
Culpe-se;
Mas, não a culpe
Pela vergonha
Quem nem foste capaz de ter. 

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terça-feira, 25 de junho de 2024

Rabiscos

Pedaços de nós 
Rabiscos de um amor intenso 
Estilhaços de tempo
Que se renderam ao passado.
Lembranças vividas
Moldadas em nuvens
Réstia de saudade:
Conheci a felicidade!

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segunda-feira, 24 de junho de 2024

Enverga

Ela enverga
Mas não se verga
A este poder
Que nos governa.
Nem se ajoelha
Ou se aconselha
Aos pés de alguma
Santa Cruz dita.

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domingo, 23 de junho de 2024

Oferendas

Que se esvaiam
As lendas 
E me o venham
As oferendas
Que o teu corpo
A mim entrega
Neste altar:
Pleno domingo!

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sábado, 22 de junho de 2024

Solitária

Solitário 
Na solitária 
Prisioneiro
Da societária 
Sociedade
Sem limerdade.
Que me prende
Para se sentir solta!

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sexta-feira, 21 de junho de 2024

Bibelô

 Quero respirar 
Você me sufoca 
Quero amar
Você não me deixa
Quero voar
Você me tora as asas
Pássaro na gaiola 
Que você isola
Diz que sou flor
Sinto-me bibelô 
Mero objeto
Desse teu abjeto
Estranho amor.

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quarta-feira, 19 de junho de 2024

Flora

O teu abraço 
Tira-me o espaço 
Do respirar!
A pele eriça
Um fogo atiça
Perco o ar.
O rosto queima 
Sinto tua seiva
Ao inalar.
É um tempero
Este teu cheiro
A dominar.
O ambiente
Quer haja gente
A nos olhar.
O corpo aflora
Por ti implora
Flora.
A alma aquece
Fauna e flora
Quando teus braços
Em mim se enrola.

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terça-feira, 18 de junho de 2024

Coisas

Você me quer
Querendo coisas
Que eu nem sei
Se as posso dar.
Sinto-me menor
Que talvez seja
Menos daquilo
Que  me ensejas.
E se me vejo
Não me enxergas
Se te desejo
Não me entregas.
O amor tem coisas
Tão escondidas
Poucas vezes correspondidas
E entendidas. 

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segunda-feira, 17 de junho de 2024

Fome

Pelo telefone 
De longe 
Devoramos um ao outro:
Mortos de fome!
Pelo WhatsApp 
No teu touchscreen
Sinto teu catchup 
A lambuzar em mim.
Tua maionese
Tempera meu azeite
Corpos em exegese
É nosso deleite.

domingo, 16 de junho de 2024

Flores

Flores
São como amores
Jamais se repetem
Como as dores.
São únicas 
Inequívocas
Singulares
Seja nos lares
Ou nas vielas.
Flores
Odores
Dores
E amores:
Únicas possibilidades de vida!

sábado, 15 de junho de 2024

Riso

Meu riso parece terno
Nem sempre é eterno
Às vezes, ele esconde
A dor que chega ao longe.
Rio pode ser de lágrimas 
Riso também é de amor
Espero que tu me tragas 
Desejos de ser só flor.
Flor de muita esperança 
Que brote de cada cor
Que esconda a desesperança 
E me devolva o amor.

quinta-feira, 13 de junho de 2024

Pouco

De dor não se fala 
Se sente
A menos que sente
E olhe pra frente 
Sem sentir falta
Da paixão inocente.
Sentar e sentir
São verbos diferentes
Que dizem sem falar 
O que ninguém sente.
Sinto sentir tão pouco 
De tudo o que é louco
Porque sou poeta
De louco tenho um pouco.

quarta-feira, 12 de junho de 2024

Sem nexo

 Amor é…
Mais que sexo
Sem nexo.
Complexos entrelaços
Abraços 
Que se revigoram
Quando não estouram;
Um vai para cada lado.
Destroçado 
Abalado
A negar a própria fé 
Até algo novo
Queimar feito fogo
Reacender a chama:
Voltas a dizer que amas!
Amor não tem gênero:
É efêmero;
Num vai-e-vem:
Prende-e-solta
Os olhos brilham de volta
A vida: em um sopro salta!

terça-feira, 11 de junho de 2024

Trajetória

 

Convexas conversas
Acordam- me
O corpo
Tosco.
A pele reflete
Marcas do tempo
Até o vento
Atinge mais forte.
Sucessivos dias
Sucessivas lutas
Ingratas, inúteis
O fim é a morte!


domingo, 9 de junho de 2024

Teu tom

 

Pesadas barras

Seguras por nós

Na garganta

Espanta.

Descem ao coração

Jogam no chão

O que foi construído

Lapidado, desgraçado.

Alma languida

Suja pelo batom

Do teu tom

De machucar.

Ecos


Vozes se espalham

Encalham pensamentos

Absortos

Solto

Por um mundo vão.

Em vão

Serpenteiam

Montanhas e vales

Que já nem valem

Destruídos

Queimados

A sangrar

Gotículas de lágrimas

Entre árvores

Rios secos

Que secam almas.


Postagem do dia 09/06/2024

 

Lúgubres


Nuvens passam

Como alados

Cavalos

Desenham-se na montanha

Sem nome

Que te cerca.

Em um susto e um surto.

Perco o sono

A vida me abandona

Some a identidade

De quem, talvez,

Nunca a tenha tido.

Esquecido

A passo largos

Pela cidade

Troco vielas

Por favelas.

Assusto-me

Com o que nem consigo ver

A perambular por um horizonte

Que esconde desenhos

Lúgubres imagens

Que se desfazem

E se refazem.


Postagem do dia 08/06/2024


Jovial idade

Desaba o sol

Desce o céu

O que era meu

Virou teu

O que era mel

Transformou-se em fel.

Amargor

Ácida vida

Tonto é veu

Das feridas.

Rugas que marcam

E matam

A jovialidade:

Coisa da idade.

Vale a interior

Coisa anterior

Alma jovem

Jamais morre.

Postagem do dia 07/06/2024 

Laço


Teu sorriso me acolhe

Desde a tenra infância

És o que me move

À parte, à distância.

Teu abraço

Um laço

Que envolve

Acolhe

Enlaço-me a ti

Para esquecer de mim.


Postagem do dia 06/06/2024


Matriarca


Mãe

Guerreira

De Sena Madureira.

Nas barrancas do Yaco

Dominou os espaços

Para se tornar

Mãe

Mulher

E professora

De todos nós.

Tua marca

A matriarca

Que alfabetiza

Ensina a ler

A ver

E enxergar o mundo.


Poema do dia 05/06/2024




terça-feira, 4 de junho de 2024

Dores

 No dia 30 de dezembro de 2020, às 16h55min, publiquei o poema "Tempero"

Tento fingir que não vejo

Chego a negar o desejo

Mas, é quase impossível

Resistir ao teu olhar incrível.

Como se as ondas do mar

Vivessem a te temperar

Difícil esquecer teu cheiro

Que fica no meu travesseiro.

E toma conta do meu corpo

Espalha um desejo louco

De a tua boca beijar:

O dia inteiro te amar.

 

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Foi meu último poema publicado. No dia 31 de dezembro de 2020 fui para a UTI, com a COVID-19. Fique 12 dias na UTI e 4 dias no hospital. Foram 16 dias e a decisão de não mais escrever nenhum dos Blogs. Na virada de 2023 para 2024, em Sena Madureira, peguei Chikungunya (Vírus CHICK-V). Foram 33 dias "de cama": cheguei a sentir saudades da UTI. Ganhei um reumatismo que pode durar de seis meses a dois anos: resolvi lutar e viver mais ainda enquanto tiver esta dádiva.

Ontem, na aula de redação (retomei os cursos de redação), em Jucuruçu, interior da Bahia, Extremo Sul, resolvi "brincar" com as palavras juntamente com os estudantes, em um exercício do curso. Nasceu "Dores". E retomei o "Em Toques".

Dores

Distância
Ausência
Falta a essência.
Sobram odores
Misturam-se às dores
A falta que me faz
O que não posso fazer.
Amores que não tive
Tuas dores que não sinto
Vivo em um labirinto
Alimentado pelo instinto.
Devoro a dor
Que me devora
Sem a jogar para fora.
O que está aprisionado
No peito
No passado
Nos passos mal-dados
Dados que não se jogam
Apenas me afogam
Nas mágoas de um passado
Que destrói o presente.
E dói! Como dói! Não saber lidar com as dores!

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