- Logo estarei com o meu Deus. Ele não me castigará. Tenho certeza de que ele também detesta negros.
À medida que falava, a respiração do Dr. Branco rareava. Antes do último suspiro, ele ainda teve forças para dizer:
- O... o... o... odeio negros.
Como bom cristão, comecei a orar para a alma daquele desgraçado. De repente, tive uma visão do caminho percorrido pela alma do Dr. Branco. Ela vagueia, vagueia e sobe lentamente. À sua frente, uma porta imensa ostenta a placa “CÉU”. Dr. Branco (digo, sua alma) nem pestaneja.
- Abram, quero entrar, deixei aquela vida. Aquela terra de pretos. Agora só quero viver para o meu Deus.
Num piscar de olhos, a porta se abre. Na frente do Dr. Branco aparece um ser negro, cuja estatura não dá para se imaginar.
- Que fazes aqui?
A voz e a forma autoritária com que o negro falou, não deixou dúvidas em Dr. Branco: tratava-se do porteiro do céu.
- Afasta-te de mim, preto sujo. Quero falar com o meu Deus.
- Pois bem, eu sou o teu Deus.
- Cruz credo, figa, pé-de-pato. Bati na porta errada. Isso não é o céu. Fui enganado. Botaram aquela placa ali para me confundir. Eu que passei a vida inteira odiando os negros, chego no céu e meu Deus também é um deles.
Dr. Branco saiu em disparada, sem saber para aonde ir. Deve estar vagando até hoje, à procura do seu Deus branco.
Não consegui conter o riso. Saí do hospital com a cara mais feliz do mundo. Os enfermeiros, que me viram iniciar as orações, não entendiam nada. Como eu poderia estar com aquela cara de felicidade, se há poucos minutos, um homem tinha morrido conversando comigo?
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